segunda-feira, dezembro 01, 2014

Regressão social

• João Galamba, Regressão social:
    «Em política, uma medida é sempre essa medida e o seu contexto. Olhemos para a reforma do IRS que está em discussão no parlamento. O governo diz que se trata de uma reforma orientada para as famílias. Tem, em parte, razão. Mas a proposta do governo não beneficia as famílias; beneficia as famílias que pagam IRS (mais de metade dos portugueses não tem dinheiro suficiente para pagar IRS) e, dentro destas, beneficia tanto mais quanto mais elevado for o nível de rendimento. Da aplicação do quociente familiar, e do facto das famílias numerosas se concentrarem nos extremos da escala de rendimentos, resulta necessariamente o aumento da desigualdade na distribuição de rendimentos. Assim, ao invés de contrariar a dinâmica regressiva da crise, o governo, através desta proposta, reforça-a deliberadamente.

    Depois de ter transformado a vida da grande maioria das famílias deste país num inferno, o máximo que o governo consegue fazer é ignorar cerca de metade das famílias portuguesas e beneficiar tanto mais quanto menos essas famílias precisarem. Tudo isto num contexto em que o governo tornou o trabalho mais mal pago e mais precário, em que degradou (e continua a degradar) serviços públicos essenciais, como a saúde, a educação e os transportes públicos, em que cortou (e continua a cortar) no Rendimento Social de Inserção e no Abono de Família. Isto é, tudo isto num contexto em que o governo prejudica, de facto, e de forma permanente, a grande maioria das famílias portuguesas.

    Se a proposta de alteração ao IRS, em si mesma, já é uma forma regressiva de apoio à família, no contexto da toda acção governativa essa regressividade torna-se ainda mais evidente. Aliás, podemos dizer que a acção governativa é, em praticamente todos os domínios, essencialmente regressiva. Esse é o resultado inevitável de uma estratégia assente na redução estrutural da despesa pública (excluindo juros) e nos ganhos de competitividade via redução do IRC e embaratecimento, flexibilidade e desqualificação do trabalho.

    A reforma do IRS, no que diz respeito às modalidades de apoio à família e à natalidade, é apenas um exemplo da dinâmica de regressão social posta em prática por este governo. Para que essa dinâmica seja travada é necessário, por exemplo, perceber que a melhor maneira de apoiar a família e a natalidade não é através de formas regressivas de apoio à família, mas sim garantindo serviços públicos de qualidade e condições para que as famílias que existem e as que querem existir vivam com alguma segurança material e laboral. Para que isso aconteça é preciso que reconhecer que o Estado não é um entrave que importa eliminar, mas sim um instrumento fundamental para que essa realidade seja possível. Esta foi uma das principais mensagens do Congresso do Partido Socialista. A outra foi que não pode haver alianças com quem não se reveja nesse projecto

5 comentários :

Anónimo disse...

Bom... segundo esta douta visão posso concluir que ter filhos é um sinal externo de riqueza.
A única regressão que observo com determinados artigos populistas é uma regressão cerebral!

Anónimo disse...

Tenho 3 filhos, confesso que as vezes me arrependo, tal é saque fiscal.

Realmente hoje ter filhos é sinal de riqueza.

Joaquim Moura disse...

O anónimo das 03:18 é um douto imbecil que nem sequer se deu ao trabalho de ler o post.
O que lá se diz é que de acordo com a alteração introduzida no IRS, beneficia mais quem ganha mais, até ao limite de 2000 euros. E cerca de metade das famílias - as mais pobres - não vão beneficiar nada, porque nem sequer tem rendimentos suficientes para pagar IRS.
Aliás isto já havia sido dito e escrito por muitos outros publicamente mal se soube os termos da proposta.
Esta é a "grande medida" de promoção da natalidade anunciada por este governo. Nada de admirar.
Se ao menos aprendessem alguma coisa com as experiências nos outros países, teriam visto que os incentivos monetários não tem produzido resultados na promoção da natalidade na generalidade dos países europeus. Ver o que se tem passado na Alemanha, que nos últimos 10 anos injectou muitos milhões em incentivos financeiros aos casais para promoção da natalidade e sem resultados.
O exemplo Francês, dos poucos com sucesso na europa, parece indicar que a estabilidade profissional e apoios sociais de qualidade, como creches, parecem ser bem mais importantes na promoção da natalidade.

Diogo disse...

Se a eliminação do quociente familiar resultasse em mais estabilidade profissional e apoios sociais de qualidade eu seria o primeiro a dizer para acabarem como quociente familiar. E falo contra mim porque tenho 5 filhos.
Infelizmente não acredito que isso aconteça.
Em relação ao ensino, nomeadamente a escola pública, que os meus filhos frequentam, funciona como o sistema partidário, fechada em si mesma. Os órgãos do agrupamento que os meus filhos frequentam, nomeadamente o conselho geral (órgão deliberativo do qual faço parte) não funciona e ninguém parece importar-se muito com isso. Tentei fazer alguma coisa e não consegui tal a inércia e o encolher de ombros. O Portugal do quotidiano é uma maravilha ��
Por isso srs do PS não me venham cá com idealismos retirar os meus 0,3 por filho.
Passem bem.

Anónimo disse...

Palermas. Os 50% de famílias com filhos que não pagam IRS já têm apoios sociais. Podem ser poucos (abono, acção social escolar, RSI) mas existem. Os desgraçados que se deram ao luxo de ter filhos, e são "ricos" porque estão acima do limiar de sobrevivência, que se lixem. Esta medida existe em França, aliás com maior coeficiente, e resulta. Nos valores previstos (2000 euros) mal chega para fazer o "regresso às aulas" de três filhos. Sim, eles voltam às aulas ao mesmo tempo e não têm livros de borla. Só um exemplo.